domingo, 26 de junho de 2005

hering, benê e o futuro da gaita (pedante. não?)

para ler sobre a visita à fábrica da hering, leia este artigo que foi publicado originalmente em janeiro de 2004 no portal gaitabh:

Depois de anos ouvindo o pessoal reclamar sempre da fábrica da hering e da qualidade das diatônicas, almoçando com o benê no meio da estrada, eu tive a oportunidade de conversar francamente, cara-a-cara com um dos responsáveis pela renovação dos modelos de gaitas diatônicas da hering 10 anos atrás, com o lançamento das hering blues e similares, até a mais recente vintage e a 40 vozes. Eis o argumento dele

"quando a gente planejou a hering blues, nós pegamos a gaita mais legal que havia (lee oskar) e olhamos tudo o que havia de legal nela que a gente poderia implementar"

de fato, olhando para uma hering blues, a semelhança é cabal. eles mudaram os parafusos externos, aumentaram os internos para melhorar a vedação, melhoraram o bucal e usaram palhetas maiores que levam mais tempo para desafinar. O resultado é que a hering naquela época investiu em endorsers, publicidade e vendas no exterior e conseguiu uma fatia do mercado. Em contrapartida, uma diatônica que custava R$ 11 quando foi lançada hoje custa quase R$ 80 no mercado nacional. E se isso parece caro, procurem por gaitas importadas nas lojas nacionais de instrumentos e confiram que mesmo as hohners já não sáo frequentes de se achar por aqui. Não só o dólar subiu daquela época para cá como o próprio mercado acabou favorecendo a hering.

o processo da hering é praticamente o mesmo processo de fazer gaitas que se fazia 40 anos atrás. o maquinário ainda é o mesmo que era da hohner (a hering era uma fábrica da hohner), o que não significa que a qualidade seja ruim, uma vez que as cromáticas estão entre as melhores do mundo. A questão que se coloca aqui é como será o futuro da hering, e consequentemente, dos gaitistas brasileiros.

"quando eu resolvi ajudar a hering a fazer gaitas melhores, o que eu sempre quis foi ter gaitas boas prá tocar. eu sou gaitista, eu preciso de gaitas boas", me disse o benê

não há motivo mais justo mesmo. as gaitas são afinadas de ouvido por uma meia-dúzia de pessoas, alguns já bem velhinhos. Muitos afinadores afinam as gaitas em casa mesmo e nem ficam na fábrica. É um trabalho maçante e nem tão bem remunerado assim. Um dos pontos do Benê era "quem serão os próximos afinadores da hering, nos próximos 20 anos?". Se afinar eletronicamente fosse fácil, nem a própria hohner teria gaitas handmade, supondo que as MS sejam afinadas eletronicamente...

olhando para o resto do mercado, as gaitas estão em decadência desde o pós-guerra, quando Borrah Minevitch dizia que "metade do mundo toca gaita e a outra metade gostaria de tocar". A Hohner já teve quase uma dezena de fábricas de gaitas na alemanha, onde a gaita não é só um instrumento, mas parte da cultura do país. O movimento hoje é de investimento onde a mão-de-obra é mais barata. Tirando a Seidel, da alemanha oriental, que deve ter um maquinário comparável à da hering, mas que fabrica gaitas bem piores, todos os grandes investimentos das indústrias de gaitas acabam indo para a China e adjacências. Eu não sou profundo conhecedor do mercado, mas reunindo os boatos que eu tenho ouvido nos últimos 10 anos, eis o que está acontecendo

Hohner: investindo pesado na melhoria da qualidade das gaitas chinesas (as bluesband da vida) e investindo em soluções inovadoras como a XB-40, que permite bends em todas as casas

Huang: teoricamente estava recebendo investimentos para abrir uma fábrica nos estados unidos e melhorias de qualidade. A Huang é uma gaita barata e macia como uma lee oskar, porém desafinava rápido. Seria uma forte concorrente no mercado, caso resolvesse esse problema

Seidel: continua com gaitas ruins, mas investiu num sistema revolucionário de corte de palhetas, mais preciso. é duvidoso se os investimentos vão continuar

Hering: deve parar de lançar gaitas novas no mercado, após a vintage e a 40 vozes e se concentrar no mercado externo. Parou de contratar endorsers e está diversificando a produção para fazer outros instrumentos musicais, aproveitando a boa logística que eles já têm no brasil

Naturalmente que cada fábrica tem seu poder de fogo e sua estratégia, mas olhando do nosso ponto de vista tupiniquim e excluindo os argumentos ufanistas, que normalmente não me agradam, me parece que a sorte da hering está lançada. Duvido que a empresa tenha condições de fazer investimento em pesquisa de materiais para desenvolver palhetas mais macias e que durem mais, ou em automação de afinação. Palhetas mais macias para competir e automação de afinação para garantir o futuro da empresa. Ou talvez, pela estratégia atual, a garantia de sobrevivência venha da diversificação do negócio da empresa.

Vem a questão óbvia, o gaitista brasileiro deve apoiar a hering? A hering é estratégica pq apesar de caro, a gaita nacional ainda é a mais barata e os gaitistas iniciantes precisam de uma gaita barata para aprender. Ao contrário do que muitos gaitistas acham, o grosso da produção da hering que é absorvida é de rolinhas e yaras. Eles não estão brincado quando chamam a free blues de "gaita profissional". Mas ao mesmo tempo, eu acho o relacionamento da hering com a comunidade gaitística (existe isso?) fraco. Certamente não por má vontade, mas pq a empresa fica longe dos grandes centros mesmo e falta organização da própria comunidade de gaitistas. Na minha opinião, o gaitista não deve apoiar fábrica nenhuma, mas deve ficar de olho vivo na hering, pq se ela fechar amanhã, a vida vai ficar mais difícil pros gaitistas, e aula ainda é o ganha-pão da maioria deles.

Eu imagino que o investimento nas fábricas chinesas da Huang e da Hohner deve refletir em breve com o surgimento de gaitas baratas competindo com a Hering. E acho que a Hering deve aproveitar este momento para ganhar mercado internacional pq as fábricas chinesas têm o custo muito menor que qualquer outro lugar do mundo, ainda mais nosso Brasil dos juros altos e dos muitos impostos. Minha aposta é que as cromática hering fiquem e as diatônicas sumam, com o tempo. Seria uma pena, mas eu realmente considero esse cenário.

Que alternativa têm os gaitistas para renovar o mercado da gaita? Para colocar a gaita na moda? Hoje em dia a gaita é quase sempre blues e folk, mas ela já foi bossa nova, já foi jazz. No Brasil, o que prevalece é o pop. O Pop alimenta os instrumentos musicais. Hoje em dia, o mercado pertence aos DJs e aos emuladores de amplificadores. O Blues, que viveu um boom no Brasil nas décadas de 80 e 90 hoje vive em crise, quando os grandes festivais não são mais de jazz e blues, mas de música eletrônica. Há quem ache que o blues precisa ser renovado, há quem ache que a gaita deva ir para outros estilos. Acho que ambos os argumentos são tendências naturais e não são novidade, mas não vão alterar o cenário. O cenário só vai mudar quando os gaitistas pararem de pensar no instrumento em si e começarem a fazer música onde o timbre da gaita seja necessário. No estilo que for, ou melhor ainda, num estilo novo.

Uma tendência que tem ganhado força é usar a gaita com pedaleiras, criando um efeito de teclado, mas também tem seu ponto fraco: pq não usar um teclado? Outra coisa é reforçar no blues puro, mas isso já se faz e o espaço do blues e do jazz só tem diminuído.

O caminho mais provável, seguindo a estratégia do selo Blue Note (que por sinal tb está em crise, em busca da nova onda salvadora de um estilo que não é o mesmo faz 40 anos) é conversar com o mercado. As duas últimas ondas que salvaram a pele da Blue Note foram o US3, Saint German e Norah Jones. US3 foi o auge do acid jazz, quando o jazz resolveu conversar com o rap. Norah Jones conseguiu ganhar espaço no pop graças a um rostinho bonito, um bocado de talento e um repertório digestível pelo grande público. Saint German foi o diálogo do Jazz com a música eletrônica lounge.

A melhor coisa que poderia acontecer com a gaita no mundo, hoje, seria aparecer uma banda como Dave Matthews Band mas com um gaitista à frente dos vocais. E a melhor coisa que poderia acontecer com a gaita no brasil seria aparecer uma banda como Los Hermanos com um gaitista à frente dos vocais. Ou uma Britney Spears tocando gaita, mas a probabilidade de uma gostosona saber tocar gaita bem é de 1 em 1 milhão.

5 comentários:

  1. É preciso entender que a gaita pode fazer parte de qualquer estilo musical, e que vale a pena pagar para um bom gaitista gravar em um disco ou se apresentar em um show. Tenho tentado fazer algumas coisas com a galera do samba, e por exemplo sambistas e pagodeiros conhecem mais do Rildo Horo do que muito gaitista por ai...

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  2. até pq o Rildo Hora é um dos produtores do "Casa de Samba"...

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  3. Com certeza.... Fico contente de ver gaitistas fazendo trabalhos fora da gaita e em estilos diferentes. Eh processo de ser um artista completo, com ideias e condicoes de trabalhar realmente com musica... Ficar somente no blues nao... Por falar nisso to com uns mp3 que conta a historia da gaiat blues de 1927 a 2002... Depois eu passo, caso vc nao tenha...

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  4. Lino disse... Essa história da gaita blues de oito décadas em mp3 é de dar agua na boca. Gostaria de passar várias horas ouvindo se for possível obter tal preciosidade com o Eisinger. Meu e-mail é carolino.cepeda@gmail.com para eventual boa vontade do detentor desta relíquia. Abraços.

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  5. Essa história da gaita blues de oito décadas é uma preciosidade. Gostaria passar horas escutando. Espero pela disposição do Eisinger em me arrumar esta relíquia. Meu e-mail, para não haver dificuldades é carolino.cepeda@gmail.com. Abraços

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