sexta-feira, 10 de junho de 2005

trapaças gaitísticas parte 1

esse é um post que eu planejava postar desde o início deste blog.

antes de tudo, convém enunciar o TAO da Gaita, representado no mantra do timbre entoado pelo mestre Eberienos

Estude, estude, estude. O timbre acústico deve vir primeiro.

as trapaças gaitísticas são os recursos do gaitista que não tem timbre, ou seja, gaitistas como eu. escrevendo este post, estou prestando um des-serviço público aos gaitistas e me rebaixando a coisas piores que a Alanis e o Bob Dylan, os maiores vilões do mundo da gaita.

antes de tudo, o que vem a ser o timbre? no início, como todo gaitista amador, eu achava que o timbre era feito de microfone bullet ligado em amplificador valvulado, ou seja, que era a distorção. Isso tocado numa hohner. Ou seja

timbre (iniciante) = green bullet + marine band + bassman

lógico que isso não é verdade, e o iniciante gasta um bom dinheiro nisso, pq o timbre na verdade significa

timbre (de verdade) = vibrato ou como diz sabiamente o mestre armeiro Bresslau, "a maquininha de garganta"

algumas espécies de pássaros são bons nisso, como os pelicanos. Vc vai ver em documentários do discovery channel várias dessas aves disputando fêmeas vibrando seus gogós, mostrando que de alguma forma eles estão mais aptos à reprodução. Bem, a história do homem na Terra é fazer coisas ridículas para agradar as mulheres enquanto elas fazem de conta que não se importam com aquela bobagem toda pq "homem é assim mesmo". Bem, talvez as mulheres reclamem com razão dos homens.

enfim, o problema do timbre é que ele não sai fácil. é uma técnica que exige um treino constante e estudo, como em qualquer outra coisa da vida. E o pior, depende de cada um. Tem gente que pega isso rápido, tem gente que desistiu de tentar. Mas como a vontade de tocar e de aparecer prevalece, assim como a cara-de-pau, então alguns gaitistas, como eu, lançam mão de trapaças gaitísticas.

vc já leu um bocado de texto e eu ainda não expliquei o que elas são. vamos lá

TG1 - reverb - o reverb é o recurso dos fracos. qualquer instrumento fica melhor com reverb, mas quando vc melhora, vc percebe que seu reverb atrapalha seu timbre. o reverb é uma muleta musical e quanto mais longo, melhor e pior ele é. Tirando o Mark Ford, quase todo gaitista que usa muito reverb está tentando se proteger um pouco. O reverb é o eco e no eco os harmônicos se misturam e vão caindo aos poucos, de forma que tudo parece mais uniforme. Mais uniforme que isso, só com TG2 a seguir

TG2 - drive - o drive é a distorção leve que vêm do microfone, do amplificador e principalmente de um pedal de drive ou do drive do amplificador. O melhor bullet prá drive é o green bullet e o pior é o astatic (o meu). O que a distorção basicamente faz é "cortar" as amplitudes das ondas sonoras, dando aquela impressão de "estouro" no som, deixando-o mais agressivo e mais parecido com o som de uma oficina com várias serras elétricas ligadas ao mesmo tempo. Fica legal à beça. Eu gosto de MUITA distorção em shows com banda. No café infelizmente eu não tenho como fazer isso pq o som acústico se mistura com o som eletrificado e as pessoas rapidamente percebem a jogada, sem contar que eu não posso tocar alto num café. O melhor amigo do drive é o TG3

TG3 - bullet - a função do bullet é ser o microfone diferente do gaitista, como o Diogo nos provou quando fez o workshop dos sweet mama aqui em BH, onde eu e mais outros três ou quatro gaitistas nos juntamos para fazer microfones abaixo de 10 reais com tampas de mamadeira e cápsulas de telefone. Depois pegamos esses microfones e ligamos no amplificador e comparamos com o green bullet e o astatic e concluímos que a diferença é muito pequena, ou seja, a menos que vc seja gaitista, vc não vai perceber muita diferença. O édson chegou a usar em show e o problema do microfone era ganho, ou seja, dava microfonia adoidado, mas vamos falar de trapaças para isso tb. Uma outra banda de amigos meus passaram pelo green bullet até o megafone e terminaram no sweet mama, que usavam em show para microfone de voz. Antes de mais nada, convém dizer aqui que fora uma conveniência de ser mais fácil de segurar com gaita e ter controle de volume, o bullet é puramente uma questão estética, portanto, uma trapaça. Contudo, ele é bonitinho e impressiona as garotas, e isso conta muito. Depender de um bullet é uma droga, pq normalmente ele dá uma microfonia dos diabos ou ele pode simplesmente quebrar ou não funcionar no equipamento. Nessa hora vc vai ter que se virar com o sm58 que tiver lá, portanto convém saber fazer algumas trapaças no sm58 tb.

TG4 - a microfonia - o terror dos gaitistas é a microfonia, pq gaitistas gostam de muito ganho (para dar peso e distorção) ao mesmo tempo que gostam de microfones bullet (que cortam algumas frequências e que normalmente é usado no talo). O segredo para resolver a microfonia é regular o ganho para baixo e dar distorção usando um pedal, ou então usar um equipamento FM que tenha um pequeno delay normal de operação, que evita microfonia. Se deu microfonia, abaixe o ganho. Pedaleiras têm controle de ganho, e isso é a mão na roda.

TG5 - a mesa - a mesa é o que faz o lugar ser bom de tocar. Uma mesa boa te faz tocar melhor. Um operador de mesa bom é um privilégio. Um operador de mesa bom com uma mesa boa sabendo o que está fazendo pode ser a melhor performance de sua vida. Aprenda a regular sua mesa o quanto antes. Passe som antes dos shows. Anote ou decore configurações do seu retorno. Vc não vai se arrepender.

TG6 - truques - aprenda alguns truques e use-os com parcimônia. Devem existir aproximadamente 200.000 classificações taxonômicas diferentes de seres vivos na natureza, e pelo menos umas 20 maneiras diferentes de fazer vibratos e efeitos esquisitos na gaita. Riffs então devem haver uns 150. Trechinhos de músicas incidentais como "fred flintstones", "música de encantar naja", "norwegian wood" tb são truquezinhos pq o expectador ouve, reconhece e ri da brincadeira. Cair de joelhos e tocar batendo a mão no chão igual William Clarke tb é um truque. Subir na mesa igual ao Rod Piazza tb. Cantar no microfone distorcido. Dar beijos na gaita. Movimentar a cabeça rapidamente como se estivesse tentando se livrar de um alien grudado na sua cara tb (Little Walter Head Shake). Jogar o microfone na frente da caixa de som usando um monte de efeitos igual ao madcat tb. Note que os truques difíceis como bend oitavado do Carlos Del Junco não são trapaças, mas truques fáceis são pq o público tende a achar que vc é melhor do que realmente é. Guarde os truques pro final ou para quando a platéia der uma esfriada. Se nada mais funcionar, parta para TG7

TG7 - pedaleira - uma pedaleira faz maravilhas, muito mais que um emulador de amplificador como os V-Amps e PODs da vida. Com um pedal de expressão ainda fica melhor. O problema é que vc não pode abusar senão vc espanta o povo que está lá pelo blues. Fora alguns efeitos muito esquisitos, a maioria dos efeitos continua sendo os mesmos da época do hendrix: flangers, drivers, harmonizers e reverbs. Ninguém precisa de muito mais que isso. Harmonizers com flangers já dão esquisitice o suficiente. O grande desafio aqui é colocar isso na música de forma que fique bom, e não é nada fácil.

TG8 - tocar o que o povo gosta - lembre-se dos irmãos cara de pau tocando no bar country. Eles tomaram garrafadas até que tocassem rawhide. Num show de blues, a menos que sua platéia seja realmente uma joalheria, vc vai ser forçado a tocar "everyday I have the blues", "sweet home chicago" ou "got my mojo working". Ou pior ainda, "hoochie coochie man". Em contrapartida vc pode tentar tocar essas músicas de forma diferente, mas quanto mais diferente, menos o pessoal vai gostar. Infelizmente é assim que funciona, na maior parte das vezes. Bom mesmo é não ter que viver de música.

TG9 - caretas - caretas ajudam, especialmente nos solos. Vc nem precisa tocar bem (normalmente as pessoas nunca sabem quando um gaitista toca bem, exceto quando vc é gaitista tb) mas se vc fizer caretas suficiente e parecer que está brigando com seu microfone e, mais importante, parecer que está perdendo a briga, as pessoas tendem a gostar e a aplaudir, nem que seja para terminar com aquela coisa incômoda. Isso tb serve prá nota interminável. Eu queria tentar um dia trapacear fazendo a nota interminável usando um pedal de sustainer e manter uma nota, digamos, uns 10 minutos, mas tenho medo que as pessoas comecem a dormir na platéia. Evite o truque da nota interminável, por mais que isso lhe pareça excitante e que mostre como vc tem um bom controle de fôlego, diafragma, respiração circular e de não entrar em pânico sem ar suficiente para oxigenar seus órgãos vitais. Lembre-se do pelicano, a pelicana pode não estar nem aí. Um indicador de que eu tenho razão é que o Kenny G detém o recorde da nota mais longa do mundo e todo mundo sabe o quão chato ele pode ser.

TG10 - velocidade - não é um truque, mas pode virar um. A tendência do gaitista rápido e tocar tudo rápido e todos os solos irem ficando cada vez mais rápidos. O problema basicamente é que o gaitista tende a se orientar pelos aplausos, e se ele ganha mais aplausos quando é rápido, ele vai querer ganhar aplausos o tempo todo e vai começar a tocar rápido o tempo todo. Os solos vão ficando cada vez mais rápidos e cada vez mais longos. Até que um dia vc vira o Sugar Blue ou o John Popper e todas as suas músicas têm solos parecidíssimos, embora todos incríveis, de forma que o gaitista vai adorar ouvir, mas muito pouca gente além disso tb.

as trapaças são um recurso de todo gaitista. um iniciante pode rir desse texto identificando suas próprias trapaças (ou eu recomendo que poste as trapaças ausentes como comentários desse post) mas um profissional vai tentar esconder o riso pq certamente ele tb tem suas trapaças... o fato é que no fim das contas, a habilidade importa muito e faz muita diferença, mas a música faz mais. Pense na quantidade de bons músicos fazendo música chata que existem por aí e na longevidade dos Ramones, com seus 3 acordes. Não tou falando prá todo mundo tocar punk rock, tou falando que não basta ser um puta músico, tem que fazer música boa e não preocupar tanto com as trapaças.

quem quiser saber mais sobre trapaças, pode ir me ver no Letras e Expressões da savassi toda santa sexta, 21:00...

14 comentários:

  1. Ei, K.

    Tem um ponto muito importante para o timbre que descobri recentemente com o Ben Boumann, alem da maquininha na garganta (a minha eu comprei jah hah algum tempo, e tem funcionado legal): vedacao e ressonancia.
    Uma vedacao boa entre gaita, maos e microfone eh muito importante, pois cria uma distorcao pre-microfone ao produzir uma pressao grande sobre o diafragma do dito cujo. Para essa vedacao funcionar bem, tocar com tongue block eh muito importante, uma vez que vc deita a bochecha direita sobre os orificios agudos da gaita, evitando com que o ar escape por aih. Estou tocando cada vez mais com tongue block, e a diferenca no vibrato eh muito clara. O dificil sao os bends, mas tou chegando lah.
    Outra coisa eh a ressonancia. Se o teu corpo entrar em ressonancia com a nota sendo tocada, timbrao. Senao, chinfrin. TB ajuda nisso tambem.
    Abraco,
    Bresslau

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  2. Eu tb li... O texto acertou na mosca...

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  3. Putz, se falou tudo, tem varias trapaças que uso, e algumas, que vou usar, hehehe, mas é isso ai, parabens pelo otimo texto

    Eduardo Barros (Gaita L)

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  4. Kenji.... fui na loja, paguei uma grana numa hohner, num segurador de gaita, tudo porque eu queria tocar feito o Bob Dylan. O cara é um mito, uma lenda porque toca gaita de um jeito próprio, que muita gente pode achar meio ruim. Eu gosto pra caramba. Mas bem bacana seu texto.

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  5. pqp me caguei na hora do "everyday I have the blues", "sweet home chicago" ou "got my mojo working"

    pqp HUUHAEHUEHUAHUAHEHUAEHUAEHUAEHUEAHUAEH
    otima :P

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  6. o pior de tudo é que EU TOCO ATUALMENTE essas 3 músicas ;-)

    acho que eu tava meio mal humorado quando escrevi esse post... se bem que boa parte dele eu ainda acho verdade! ;-)

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  7. Ah, cara, tem mto tempo que eu li esse texto e hj tava sem fazer nada e tava relendo. Mto bom =] desde que conheci seu blog sempre dou uma olhadinha pra ver as novidades. Meus parabéns!!! (mas é chato mesmo quando alguem vem me perguntar se eu sei fazer algum solo da Alanis, ou tocar que o Dylan ueheuheuheuhe)

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  8. Muito louca a escrita e adorei, demais. Show de bola. Gostaria de só distorcer um pouco a gaita e ainda não tentei com overdrive ou coisa semelhante. tenho um delay e vou testar. Toco sempre e fica com um bheringer de R$ 1,00 a dúzia (mx1800????). Atende muito bem obrigado e vc compra tres na caixa por 179,00. Valeu, ajudou bastatnte. Estou produxindo cd blues só de musicas evangélicas dos bons tempos, dá pra fazer um trabalho ótimo, swing low sweet chariot, amazing grace, Rudged Cross, when the saints e muita coisa da harpa. Sou cristão há 32 anos e tenho muito boa bagagem. Estou orando e logo lançarei. Brigadão e valeram muito as dicas.

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  9. Tarde, seu Kenji. Olha quero dizer que me diverti bastante com seu texto. Sou jornalista e gaitista e você manda muito bem na sequencia de idéias. Você conhece bem o que diz e diz bem o que conhece. Acho sensacional quando vejo pessoas com censo de humor aflorado, com jogo de palavras apurado. Acho que se você se apresentasse a uma agência de publicidade ou produtora de textos iria se dar muitíssimo bem. Mas, você também sopra na latinha com vários buracos e se dá bem, então continue soprando e escrevendo, dons que, convenhamos não é pra qualquer um. Vários sopros e, por enquanto, ponto final.

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  10. Muito bom o texto e muito bom os comentários.
    É bom encontrar com gaitistas/musicos/pessoas/razão/emoção musical;

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  11. Excelente! Parabéns! Texto muito bom mesmo!

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