um amigo meu me disse
"vou a BH e quero pegar uma aula de gaita com vc"e eu disse
"cara, eu não toco muito, mas o Leandro, o Osmar, o Marcelo e o Pedro sacam muito e têm didática"mas ele falou
"ah cara, vou querer com vc mesmo"e eu falei
"então beleza"claro que vai ser mais um bate papo e uma boa desculpa para rever os amigos e trocar umas idéias, pq realmente, eu não estou em posição de ensinar muita coisa a ninguém em termos de gaita. Mas nada nos impede de nos divertirmos.
eu me lembro anos atrás de ter visto no Eurotrash uma reportagem sobre mendigos na Itália que davam aulas sobre mendicância para jovens turistas. Devia ser divertidíssimo, tanto pela grana pros mendigos quanto pros turistas. Nada como aprender alguma coisa realmente útil ;-).
aposto que assim como no mundo da gaita, devem haver mendigos mais e menos conhecedores, mas cada um deles deve ter algo a acrescentar. E talvez, até eu tenha alguma dica ou outra que funcione.
então já estou bolando como vai ser essa minha não-aula de gaita. Tudo no chutômetro. Mas ainda assim pode ser divertido.
por exemplo, acho que a aula vai começar com um copo de whisky. Um só, prá gente não perder o fio da meada. Mas pode ser tomando cerveja durante, pq todo mundo sabe que ninguém fica tonto de verdade com cerveja. Só aqueles que não mentem, claro.
a
primeira parte do meu curso (de 1 dia, na verdade, se durar mais de 2h vai ser muito mesmo) vai ser sobre percepção da gaita. Isso é uma coisa séria. Quando eu tinha 14 anos, eu peguei catapora e fiquei de cama 1 mês. Minha vida se resumia a dormir, ter febre, tomar banho com permanganato de potássio, comer e ver novela mexicana na TV. Foi quando eu resolvi pegar uma gaita que eu havia ganhado do meu pai e tentar tirar umas musiquinhas de ouvido, afinal, meus amigos estavam todos aprendendo violão e pegando garotas nos churrascos, quem sabe a gaita não me ajudaria neste sentido?
minha primeira idéia foi exatamente esta: "se eu ficar soprando e aspirando esses buracos até a morte, estes sons entrarão em minha cabeça e eu conseguirei tocar as músicas pq me lembrarei de onde estavam os sons". Esta frase definiu tudo o que eu sei de gaita (que é bem pouco) e talvez graças a isso, eu tenha uma certa facilidade para tirar pequenas melodias, desde que hajam 12 gaitas diatônicas, 1 em cada tom, para eu tentar tirar a música em 2a posição. Vou exercitar isto com brincadeiras de "toque o que eu estou tocando" por uns 10 mins.
a
segunda parte do meu curso vai ser sobre como usar músicas prá tocar gaita. Isso pq o melhor amigo do gaitista são as músicas para tocar em cima. É importante frisar aqui alguns aspectos que eu percebi ao longo dos anos:
- músicas japonesas são difíceis de tocar
- músicas que modulam tb
- músicas infantis são fáceis mas nem sempre
- blues é legal pq vc não precisa tocar tudo direitinho. Chama improviso.
- algumas músicas servem, outras não. Vamos tentar vários tipos prá ver o que cai bem em cada uma.
- músicas pop quase sempre usam gaitas em C
Vou exercitar isto apresentando umas 10 músicas completamente diferentes e tentando explorar o que se pode fazer com uma gaita por cima que não seja só tentar imitar o instrumento de solo ou a linha de voz. Essas músicas poderiam ser, por exemplo
- "Every you and every me", do Placebo. Para treinar o famoso solinho "eu começo tocando igual e depois despiroco". Finíssimo.
- "The sea", do Morcheeba. Ótimo para treinar acordes. Bom tb prá quem gosta de pedais e afins.
- "One step at a time", do Johnny Winter. Tem que ter um blues que seja. Nada melhor que um sem gaita e com espaços prá servir de playalong, mesmo que os espaços já estejam tomados pela guitarra.
- alguma do Djavan que não seja "Oceano" nem "Samurai". O cd duplo ao vivo tem coisas boas. "Flor de Lis" por exemplo. Swing. Swing. Treinar os silêncios.
- alguma do Morphine. Como conviver com naipes de metais.
- alguma coisa do Jorge Benjor do cd duplo ao vivo dele. Mas tem que ser do primeiro. É mais difícil do que parece. Humildade.
- "Ilariê" da Xuxa. Cid Guerreiro né? Tem que saber tocar. Além do mais, Cid é ótimo em riffs.
- "O Canto da Cidade" da Daniela Mercury. O que fazer quando a voz da banda é fabulosa. Além do mais, é ritmo afro na veia, ótima oportunidade de se entender com as raízes da cultura negra que permeiam nossa música.
- "Cherish" da Madonna. Exercício de jazz versão Kenji. Ótimos espaços de improvisos. Como saber onde parar.
- "All Along the Watchtower" do Bob Dylan. Mas sem tocar igual ele, claro. Educativo. "Sempre se pode consertar algo do Bob Dylan" ;-)
a
terceira parte do meu curso vai ser sobre pequenas trapaças gaitísticas. Meus efeitos e vibratos são uma droga, mas isso não é problema pq não são para serem usados o tempo todo. Contudo, 2 aspectos são fundamentais: todo gaitista tem que treinar para ter algum tipo decente de vibrato e todo gaitista precisa conseguir fazer os bends mais fáceis sem danificar a gaita, ou seja, com pouco sopro. Não é tão difícil, de verdade. É mais uma questão de fé e de conscientização. Mais uns 10 minutos de exercício pq ninguém é de ferro.
a
quarta parte vai ser sobre "adote uma música". Todo gaitista precisa saber 1 ou 2 músicas bem para poder tocar quando aparecer na TV, ou quando alguém perguntar, ou quando tiver a oportunidade de tocar em público, etc. Na verdade, não tem muito o que ensinar aqui. Basicamente é baixar várias versões diferentes da mesma música e tentar ter idéias do que poderia ser feito para a música ficar legal com gaita. Mas o mais importante é que 1 ou 2 músicas bem tocadas podem ser a diferença entre a pessoa desistir de tocar e conseguir resultados bons o suficiente para impressionar os parentes no Natal, que por sinal, está chegando.
fecho o curso com mais whisky. O aluno não precisa pagar pela aula se trouxer a garrafa de casa ;-)