quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Portal Gaita-BH entrevista Benevides Jr

[publicado no Portal Gaita-BH em Janeiro de 2004]

A entrevista desta edição é Benevides Jr., gaitista da Trupe da Gaita, do Mister Jack e de mais alguns projetos, escreveu um dos primeiros métodos de gaita diatônica do Brasil e auxilia a Hering a fazer gaitas melhores.

(GBH) Quem é Benevides Jr por Benevides Jr?

(Bené) A minha história na música não tem nada de diferente ou glamouroso. Eu comecei muito tarde, aos 17 anos, por ocasião de um furto de uma Super 20 nas Lojas Americanas. Como 90% dos adolescentes naquela época, essas “visitas” à loja de departamentos sempre eram acompanhadas de um pequeno delito.

Como eu costumava acampar na Serra do Mar no meu estado (Paraná), um belo dia resolvi levar minha gaitinha e tentar alguns acordes mesmo sem saber absolutamente nada. Na beira da fogueira, com alguns copos de vinho barato na cabeça comecei a tentar arranhar algo quando um amigo fez aquela clássica pergunta: “Benê, você gosta de tocar sua gaitinha ?”, eu prontamente respondi, “Sim, claro”.... Aí segue a segunda parte que já é conhecida de todos os amantes de piada, “Então porque você não aprende ?”...

Bom, passada as risadas e o acampamento, resolvi chegar em Curitiba e procurar por um professor. O mais engraçado disso é que mesmo morando na cidade onde existe a única Orquestra de gaitas do Brasil, demorei alguns meses pra descobrir a “sede” da Orquestra. Feita a primeira conversa com o professor Partika, comecei minha primeira aula, em 1991. Infelizmente, tive apenas uma aula. O professor em questão tinha problemas de ordem etílica e havia sido internado pela enésima vez e eu, fiquei com 3 aulas em haver e quase desisti por isso.

Foi então que lá estava eu, no Solar do Barão, local onde eu deveria ter as aulas e sede da Orquestra, esperando o sumido professor, quando o Ulysses Cazallas me pergunta: “Faz 3 semanas que vejo você aqui com a gaita no bolso, o que você procura ?”. Foi quando contei sobre o ocorrido e o professor Ulysses me convidou para ir à sua casa e começar as aulas. Estudei um ano com muita dedicação e empenho, aprendendo simultâneamente, leitura musical, teoria, e prática de instrumento.

Nesse tempo eu ainda trabalhava como programador de computador no Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná – SENGE/PR e reservava minhas horas de folga exclusivamente para o estudo da harmônica. O progresso foi tão satisfatório que no ano seguinte o Ulysses me apresentou ao então solista, coordenador e fundador da Orquestra, Ronald Silva, que me convidou a fazer um estágio na orquestra como dobra do baixo.

Até então eu ainda não tinha tocado com ninguém e nessa mesma época, 1992, conheci o meu parceiro de banda, Marcelo Ricciardi, e começamos a tocar alguns blues na esquina de casa. Tudo o que aprendi na diatônica e no blues eu devo aos discos de blues, em especial, ao cd do Little Walter “Blues with Feeling” que escutei zilhões de vezes. Também fiquei fissurado no disco do Blues Etílicos “Água Mineral” que foi meu passatempo durante alguns meses pois tentava copiar tudo que o Flávio fazia naquele disco. No ano seguinte, eu e o Marcelo fundamos a banda juntamente com o irmão do Marcelo, André Ricciardi e o baixista Mauro Sérgio Vianna “Jabá”.

Paralelamente eu levava ambos os grupos e meu crescimento musical foi muito rápido e conciso. Posso dizer que aprendi 2 escolas bem diferentes que forjaram meu estilo, a seriedade e intelectualidade da Orquestra juntamente com o improviso e a informalidade de uma banda de garotos.

O resto, foi acontecendo de maneira natural e desde 1993 que eu me dedico única e exclusivamente à música, em especial, à harmônica de boca.


(GBH) Conte um pouco sobre a sua experiência com a OMB

(Bené) Minha primeira impressão da OMB foi quando tive de fazer o teste para tirar a famosa Carteira de Músico. A forma do teste era vergonhosa. Um velho caduco pedia pra bater num pandeiro, responder meia dúzia de perguntas teóricas (com direito a consulta) e tocar qualquer melodia infantil no instrumento. Pronto, eu já estava “enquadrado” como músico profissional, juridicamente no mesmo nível de Tom Jobim, Waldyr Azevedo ou Altamiro Carrilho.

Foi quando vi que aquele órgão era apenas um caça-níqueis dos já sofridos músicos brasileiros. Nunca ajudou a organizar a classe, a definir valores dignos de cachê, a fiscalizar os locais e condições de trabalho, etc... Por isso tudo que em 1998, juntamente com o pessoal do Mister Jack, entrei com um dos primeiros processos no Brasil contra a Ordem e a abusiva obrigatoriedade do registro de músico. A principal alegação do nosso advogado é que a profissão de músico não necessita de uma regulamentação especial pois nosso ofício não coloca em risco a vida das pessoas, diferentemente de um advogado, médico ou engenheiro civil.

O processo, como não poderia deixar de ser, continua na Justiça após 800 mil recursos de ambas as partes.

(GBH) Conte um pouco sobre a sua relação com a Hering. Qual o tipo de auxílio que vc presta à fábrica?

(Bené) Minha relação com a Hering começou em 1994 quando visitei o então gerente de produtos, Sr. Laurentino, que estava interessado em expandir os modelos de harmônica diatônica da Hering. Até então, a fábrica possui apenas o modelo Super 20 (feito em corpo de madeira). Começamos a comprar e testar diversos modelos de todo o mundo e após alguns meses de testes, lançamos a Master Blues, uma gaita inovadora pois possuia uma estrutura muito mais resistente e de fácil manutenção. Os preguinhos e corpo de madeira foram substituídos pelos parafusos e o corpo de madeira pelo de plástico injetado.

Eu sempre mantive minha posição na Hering como piloto de testes e nunca como um técnico ou perito em materiais. Minha ajuda sempre partiu como uma voz entre os músicos que precisam de instrumentos de qualidade e acredito que a minha contribuição gerou frutos pois hoje, a fábrica conta com dezenas de modelos e acessórios.

Sempre que possível, visito a fábrica em Blumenau e acompanho tudo que se relaciona as harmônicas. Escrevi diversos folhetos e explicativos, desenvolvi afinações especiais para os modelos top de linha, pesquisei nomes para novos modelos, dei alguns cursos para os funcionários, enfim, procuro fazer tudo que esteja ao meu alcance pra garantir que a Hering possa continuar fabricando a matéria-prima de quem vive e toca harmônica.

(GBH) Qual a postura mais construtiva que o gaitista pode ter para enviar reclamações e sugestões à fábrica?


(Bené) O maior problema é que pouquíssimos gaitistas tem conhecimento ou experiência para fazer essas reclamações ou sugestões com propriedade. Por exemplo, a fábrica recebe reclamações de gaitas que não tocam determinada nota. Pois bem, o sujeito manda a gaita pra ser trocada e ao verificarem o problema, nota-se que existe um fiapo de algodão na gaita porque o cara guardou no bolso da calça. Imagine por aí, quais são as sugestões... Esses dias um gringo exigiu que a fábrica construísse um modelo novo com afinação whole-tune (tons inteiros) porque ele toca com uma dessas. Por favor, isso é muito pessoal e deve ser feito sob-medida e nunca em linha de série.

Acredito que o ideal seria fazer essas sugestões ou reclamações levando em conta que a fábrica produz milhares de modelos e tons diferentes buscando atingir os mais diversos tipos de consumidor, desde o profissional até o que compra a gaita pra dar de presente pro filho de 2 anos. O egoísmo de algumas sugestões é que deve ser colocado de lado em detrimento da melhora do produto como um todo.

Outro fator fundamental é que os lojistas precisam ser questionados também pois poucos se interessam em conhecer melhor sobre o produto e consequentemente oferecer mais diversidade de modelos e tons para o cliente final.

(GBH) Além do trabalho no misterjack, você também participa da trupe da gaita e da orquestra de harmonicas de curitiba. O que levou Curitiba a produzir tamanha variedade de produções culturais relacionadas à gaita? Foi a somatória de esforços pessoais ou a cidade ofereceu alguma estrutura que contribuísse para isso?

(Bené) Foi exclusivamente a batalha e suor de pessoas comuns. Com exceção de algumas esmolas dadas pelo governo municipal e estadual, a cultura da gaita em Curitiba sempre deve ser atribuída a pessoas como o Ronald Silva que dedicou a vida ao instrumento. Como eu disse no começo, fiquei quase um ano pra saber que existia uma Orquestra em Curitiba. Hoje a situação não é diferente. Pouquíssimas pessoas conhecem esses grupos na cidade.

(GBH) Quais são os nomes da gaita nacional que precisam ser lembrados e evidenciados no portal gaita-bh?


(Bené) Antes, gostaria de agradecer pela oportunidade e me desculpar pela falta de brevidade ou confusão mental nas respostas pois o trabalho de resumir estórias é difícil pra mim.

Respondendo à pergunta, acho que devemos lembrar e valorizar todos àqueles que realmente trazem alguma contribuição musical ao nosso instrumento. Hoje, vemos que os jovens gaitistas estão deixando de ficar bitolados no blues e abrindo a mente para outros gêneros musicais.

Uma nova safra de gaitistas como Gabriel Grossi, Thiago Cerveira, Vasco Faé, Rodrigo Eberienos, Victor Lopes, estão mostrando aos jovens músicos que a gaita é maior do que o blues.

Também nunca podemos esquecer e prestigiar de verdade os gaitistas da velha-guarda como Ronald Silva, Maurício Einhorn, Rildo Hora, Fred Williams, Edú da Gaita e tantos outros.

O Portal Gaita-BH agradece a colaboração de Benevides Jr. e aguarda por mais shows dele em nossa terrinha. Mais informações sobre Benevides Jr.

http://www.misterjack.com.br/

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