quarta-feira, 12 de outubro de 2005

Maria Scombona

[publicado no Portal Gaita-BH em Fevereiro de 2003]

Maria Scombona. Anote aí. O nome tem uma sonoridade esquisita, meio agressiva, mas com sotaque de dentro de casa, familiar até demais. Formada Henrique Teles (voz e percussão), Robson (baixo), Júlio Vasconcelos (gaita e percussão), Álvaro (guitarra), Rafael Jr. (bateria) e Betinho (percussão), a banda está lançando Grão, seu primeiro disco. Isso depois de 10 anos de palco. São 11 músicas e cinco vinhetas temperadas com elementos nordestinos e de meio mundo.


Para quem gosta de garimpar qualidade, duas lições importantes dessa Maria: 1) Fusões são bem vindas. Mas só quando não ferem ouvidos nem bom senso, como é o caso; 2) Sergipe existe.


Desculpem-me o pouco tato, mas Sergipe, embora tão perto e tão Nordeste, me parece longe de Fortaleza (de onde escrevo) como a lua pela abissal falta de intercâmbio artístico. É isso mesmo: Maria Scombona é uma banda sergipana de Aracaju, espertíssima na capacidade de somar ritmos e tendências e, sobretudo, segura o suficiente para apresentar um trabalho autoral sem negar raízes. É preciso abrir os olhos e apurar os ouvidos para o que vem de lá.


A abertura de Grão é um susto. E um bom susto, diga-se. “Will Rock You”, sucesso do Queen, que três gerações se acostumaram a ouvir na voz flamejante de Freddie Mercury, cai sem ver nem pra que carregada por um pandeiro maroto batucado por Henrique Teles. Genial. Tão genial quanto casar o rock britânico com o swing caboclo de Jackson do Pandeiro, lembrança que invade a faixa com “Chiclete com Banana”.


Só que não se fica aí. Juntar Brian May com Gordurinha e Almira Castilho é bacaninha, muita gente faz isso, consolida uma linguagem cosmopolita etc e tal. Difícil mesmo é ter um trabalho autoral consistente, e isso o grupo tira de letra. Ou de letras. Créditos para Henrique Teles, vocalista e percussionista. Em “Grão”, uma prova inconteste de uma poética moderna e sem afetações: “Acredito na tristeza/Acredito na tristeza como véspera da alegria/Se um dia mal-me-quer/Bem me quer por mais cem dias”. Cantiga de roda, com pandeiros, guitarras e gaitas.


Sim: gaitas! Júlio Vasconcelos cumpre direitinho a tarefa de enxertar bends, vibratos, solos de diferentes tipos em uma experiência musical que é, antes de tudo, a mesclagem do Brasil com um tanto de influências que desembarcaram neste país tropical. Júlio, que já freqüentou a lista de discussão Gaita-l, usa de recursos modernosos para mostrar um trabalho consistente. E o faz com extrema competência e responsabilidade, alternando-se entre diatônicas e cromáticas.


O disco se fecha com um clássico dos anos 70, “A Véia Debaixo da Cama”. Naquela época, muita gente torcia o nariz para a tragicômica história da mulher que tinha um verdadeiro zoológico no quarto e da desgraça causada por uma cobra mal-humorada. Hoje em dia, duvido que haja alguém que não lembra da música de Jonas de Andrade com uma certa ponta de saudade e um sorriso no canto da boca. A versão de Maria Scombona é honesta e respeitosa.


Maria Scombona foi formada 1992, como base do trabalho de composição de Henrique Teles. Desde então, dedica-se a apresentações entre Sergipe e Pernambuco, variando entre o circuito universitário e eventos populares. Nesses 10 anos, deu-se a pesquisar e fazer equações. A operação é simples, o resultado é de uma exatidão avassaladora: rock + blues + rhythm&blues + soul + xaxado + baião = boa música.

Serviço

Grão – Primeiro CD da banda sergipana Maria Scombona. Produção independente. Preço: R$ 15 mais despesas postais. Pedidos pelo site www.mariascombona.com.br ou pelo telefone (079) 243 2156. Para manter contato com o gaitista Júlio Vasconcelos, o e-mail é regojulio@hotmail.com

Roberto Maciel é jornalista e gaitista de Fortaleza, Ceará. Foi o primeiro a ajudar a divulgar o CD do gaita-L, dando duas páginas centrais do caderno de cultura de domingo do jornal "O Povo" somente ao CD. Está sempre de olho no cenário crescente do blues e da gaita no nordeste. Também é um sujeito pelo qual o Kenji pagaria uma cerveja no dia em que fosse conhecer as praias de Fortaleza porque realmente o sujeito merece.

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