[publicado no Portal Gaita-BH em Novembro de 2003]
A Hohner é a marca de gaitas mais antiga do mundo, né? Não, existe também na Alemanha um fábrica de gaitas que foi fundada antes da Hohner e que hoje tenta sobreviver no mercado com uma produção tímida, a Seydel. Bem, mas não é sobre a Seydel que eu escreverei nesse artigo, inclusive porque não tem muito o que falar. Eles fazem gaitas que não se destacam no mercado e atendem basicamente ao mercado alemão. Seus preços, frente aos preços brasileiros da Hering os impede de entrar no Brasil e a coisa fica por isso mesmo.
Eu gostaria de escrever sobre uma novidade tecnológica que eles lançaram (e pantentearam, dizem) na Musikmesse (Feira da Música) em Frankfurt esse ano.
Os primeiros rumores surgiram logo antes da feira (06 a 10 de fevereiro de 2003) na lista alemã Harpchat, onde a Seydel inscreveu um representante (seria o Carlos Alberto na Hering/Gaita-L ou o Rick Epping na Hohner/Harp-L). A notícia dizia que a fábrica acabara de patentear um método de corte de placas de vozes que, ao invés da prensa e estampa comuns, usava eletroerosão.
Bem, para isso ser verdade, a técnica utilizada deveria ser a eletroerosão a fio. Esse método de corte de metal é muito parecido com o corte de isopor com um fio aquecido, ou de madeira com uma serra tico-tico. Tem-se um arco sobre o qual está esticado um fio fino de cobre eletrizado em constante movimento, como uma serra de fita. O outro pólo elétrico é a própria peça a ser cortada, que está imersa em um líquido dielétrico. O corte se dá por causa de pequenas centelhas que ocorrem entre os polos (fio e peça) que corroem o metal. Mais detalhes podem ser vistos nessas apostilas bastante didáticas da Biblioteca Virtual da USP:
A confirmação de que realmente se trata de eletroerosão a fio veio na forma de fotos dessas placas tiradas na Musikmesse e depois da própria firma.
De qualquer forma, a Seydel estava propagandeando o método exaltando algumas qualidades das placas de vozes resultantes:
-grande precisão geométrica e diminuição das tolerâncias;
-ausência de deformações das arestas da fendas devidas ao corte por estampa;
-ausência de empenamento da placa também devido à estampa;
-planicidade das faces internas das fendas de palhetas;
-perpendicularidade excelente entre as faces internas das fendas e as faces superior e inferior da placa de vozes;
-etc.
Ótimo. Um resultado louvável advindo de pesquisa de uma empresa que tenta ganhar mercado com inovação tecnológica. Parabéns à Seydel!
Porém... Pois é, sempre tem um porém.
Porém eu não estou convencido de que o processo realmente traga vantagens sensíveis ao tocar a gaita. Não sei se a diminuição das tolerâncias foi o suficiente para diminuir consideravelmente o vazamento de ar entre as palhetas e suas fendas. A idéia aqui seria eliminar a necessidade do uso do método de "embossing" para alcançar essa melhoria. Acontece que eu nem tenho certeza de que o "embossing" realmente ajude muito no desempenho da gaita. Por outro lado, preciso experimentar mais com essa técnica, cujo princípio básico pode ser achado na net, bastando fazer uma pesquisa no google usando as palavras chave "slot", "embossing" e "harp" ou "harmonica". Mas isso é outra discussão.
O outro ponto são a perpendicularidade e planicidade melhoradas das faces internas das fendas. Dizem os fabricantes que essas características otimizam o fluxo de ar pela fenda, melhorando as características do tocar da gaita. Novamente acho que o resultado garantido pelo processo de estampa são bastante bons e duvido um bocado da melhoria advinda dessas qualidades.
Em relação à ausência de deformações da placa de vozes resultantes da estampa, aí sim eu fiquei interessado. Já mais de uma vez eu elogiei a gaita Overdrive da Suzuki por ter placas de vozes e corpo extremamente planos que possibilitam uma vedação excelente apenas com a utilização de dois pares de porca e parafuso para a montagem da gaita inteira. A planeza das placas de vozes obtida pela Seydel provavelmente causará uma melhoria da vedação entre corpo e placas de vozes, se o corpo da gaita também for bastante plano.
Então parece que o processo da Seydel é bom, mas não é tudo aquilo que a firma propagandeia. Lógico que algumas pessoas tocaram gaitas protótipo com as novas placas e garantiram que são gaitas superiores. Mas trata-se de instrumentos protótipos, que receberam atenção especial na hora de serem fabricados. Então fica difícil garantir que as melhorias observadas na gaita são realmente por causa das placas novas, e não por causa de um ajuste mais cuidadoso.
Além disso, eu pessoalmente não consigo ver como esse processo pode ser economicamente viável. Enquanto uma placa de vozes pode ser estampada em fração de segundo, o processo de eletroerosão levará vários segundos, senão minutos, para fazer o mesmo trabalho.
Pesquisei um pouco o processo, refrescando a memória dos tempos de escola técnica, e, considerando uma placa de 1mm de espessura e fio de 0,25mm de diâmetro, a velocidade de corte de eltroerosão não deve ultrapassar 50mm por segundo. Como uma placa de vozes tem em média um perímetro de corte de aproximadamente 300mm, eu precisaria de 6 minutos para cortar tal placa.
Esse valor talvez esteja superdimensionado, mas qualquer coisa mais realista não poderá competir com a fração de segundo da estampagem.
Bem, essa minha suspeita foi confirmada em discussão na lista Harp On! por Vern Smith, que trabalha com esse tipo de equipamento e tem excelente fama como ferramenteiro. Mesmo se eles tentassem fazer um sanduíche de placas para cortá-las ao mesmo tempo, o processo continua muito caro. A única resposta a esse mistério seria pensar que a Seydel realmente inventou um processo novo de eletroerosão a fio. Ou então eles têm tempo de sobra, vai saber.
Em todos os casos, a novidade é interessante, é fato comprovado por fotos e colocou o mundo gaitístico para pensar. Talvez seja viável para o volume pequeno de produção deles, e talvez realmente melhore a qualidade dos instrumentos. E talvez eu esteja fazendo um monte de especulações baseadas em informações imperfeitas e incompletas.
Para concluir, gostaria de lançar também a informação de que a Seydel desenvolveu esse sistema de modo que os furos feitos nas placas de vozes para a fixação de palhetas podem ser utilizados tanto para fixar as palhetas com rebites como com parafusos. Bem, se eletroerosão a fio já me parece um processo economicamente inviável, o uso de microparafusos nas palhetas me parece ainda mais. Isso pode indicar que a Seydel está realmente tentando mudar o paradigma da produção de gaitas, dando uma atenção a seus instrumentos que nenhum outro fabricante sequer cogitaria.
Vamos ver no que dá.
Links:
http://www.c-a-seydel.com/
http://groups.yahoo.com/group/harpchat/message/6488
http://www.harponline.de/Harp_Specials/Hohner_XB-40/XB-40_Features/Messe/messe.html#a1
Fernando Bresslau
(Fernando Bresslau é um dos moderadores do gaita-L e aficcionado por mecânica gaitística. Também andou fuçando em XB-40s e um dia ainda vai criar a gaita MIDI. Na horas vagas, estuda engenharia naval. Também mantém seu portal gaitísco, que recomendamos: o Fá Harmônico)
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