[publicado no Portal Gaita-BH em Março de 2004]
Aproveitando a matéria do mês passado do Kenji sobre a visita a Fábrica da Hering, nesta edição falarei sobre a visita que eu e a Clara fizemos na fábrica de gaitas da Seydel Söhne em Klingenthal, Alemanha. A visita ocorreu em Setembro de 2002 durante o Festival de Gaita promovido pela própria Seydel e pela prefeitura, que tenta recuperar o prestígio da cidade no passado, quando era referência mundial na fabricação de instrumentos musicais
Klingental é uma pequena cidade na Fronteira com República Tcheca (dá pra ir à pé, é só cruzar uma cerquinha!), e fazia parte da antiga Alemanha oriental. Ela concentra-se ao longo de 10km da rodovia estadual que corta a cidade e tem alguns poucos kms de largura. A visita ocorreu no segundo dia do festival. O prédio por fora lembra uma fábrica dos anos 60 abandonada cheio de rachaduras e carente de pintura, além de muito cinza e concreto, características marcantes das construções nos tempos da cortina de ferro.
Fomos recebidos por um dos irmãos Seydel, que nos conta que a Seydel Söhne sempre foi uma empresa familiar desde sua fundação, em 1847. Ela é a fábrica de gaita mais antiga do mundo em funcionamento. Perguntei se ela sempre funcionou neste prédio e ele disse que sim, mas ocorreram algumas reformas em relação ao que era. A Fábrica trabalhou neste dia com poucos funcionários e apenas simbolicamente para a apreciação dos visitantes. Estes por sinal, tinham uma média de 50 a 60 anos. Foi um espanto para nós vermos tantos senhores e senhoras gaitistas e também para eles. Ao longo da visita, percebemos que eles tinham preferência pelos modelos de harmonicas que não são muito utilizados aqui no Brasil, exceto pelas orquestras do gênero, além de trios, quartetos, etc.
Descemos uma escada para conhecer a primeira etapa do processo: a confecção das placas de cobertura, ou armadura. Eles ainda conservam as máquinas em que se cortava e prensava a placa manualmente. Algumas décadas depois, com a Revolução Industrial, surgiram máquinas maiores e mais rápidas movidas por um imenso conjunto de correias e polias que vinha de uma máquina à vapor, cuja caldeira ainda conservada alcança os três andares do prédio. Anos mais tarde, motores elétricos foram colocados em cada máquina e as correias e a máquina à vapor foram aposentadas. Essas mesmas máquinas são usadas até hoje e vão muito bem, por isso, pode-se dizer que esta fábrica é um museu vivo da história do processo de fabricação da gaita. Mas chega de histórias, voltemos as gaitas. Nesta mesma sala é feita a placa de vozes num processo semelhante: uma prensa com a forma da placa de vozes é aplicada ao metal, formando os sulcos onde as palhetas serão posteriormente rebitadas.
O segundo andar é a administração da fábrica. Lá também tem uma sala com o mostruário da fábrica, com muitas gaitas interessantes, dentre elas, a maior harmoneta do mundo. Lá também estava a tão comentada Favorit, o lançamento e xodó da fábrica. Ela lembra muito a série masterclass da Suzuki e tem uma capinha de couro bonitinha. Quanto ao som, não posso comentar porque não experimentei tocá-la.
No terceiro andar fica uma sala onde as palhetas são feitas e testadas. Uma placa retangular é empurrada por baixo de uma prensa cujo o cabeçote tem o formato da palheta. Para cada nota, um cabeçote diferente. A placa deve ser empurrada em uma velocidade rápida e constante para que dois furos não sejam feitos no mesmo lugar da placa. Deve-se ter cuidado também com o dedo. De cada lote, algumas palhetas são testadas em uma engnhoca e, quando aprovado, são colocadas num saquinho de papel enrolado com barbante e vão para a sala ao lado onde a gaita finalmente será montada.
A próxima etapa é a fixação das palhetas na placa de vozes com rebites. Em seguida a placa é afinada de ouvido com a ajuda de um afinador que ajuda a comparar o som desta com uma placa de vozes na afinação desejada. Esta é uma fase que exige silêncio absoluto. Para os outros que trabalham na mesma sala a sequência de dó-ré-mis ao longo do dia é de deixar qualquer um ou louco ou com ouvido absoluto.
O alinhamento das palhetas na placa de vozes é feito contra a luz. As válvulas, quando necessárias, são cuidadosamente coladas. Por fim, as peças são montadas resultando no produto que conhecemos
Links:
http://www.c-a-seydel.com/
(Mário Valle é gaitista e participou do primeiro CD do Gaita-L. Veio de Manaus para Belo Horizonte, onde cursa a graduação em Engenharia Elétrica no CEFET. Morou alguns meses na Alemanha, onde trabalhou na Siemens e mantém o portal de dicas turísticas sobre a Alemanha, o Destino Alemanha)
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