[publicado no Portal Gaita-BH em Fevereiro de 2002]
Eu conheci Paul Farmer totalmente ao acaso. Um belo dia, recebo um e-mail pedindo ajuda a algum brasileiro que pudesse ajudá-lo a contactar gaitistas de cromática do Brasil. Ele estava escrevendo um livro sobre as diferentes técnicas de diferentes gaitistas do mundo todo. Um projeto ambicioso, porém factível.
Esta pequena entrevista nos revela um pouco mais deste projeto que está em andamento e nos mostra um pouco melhor quem é este australiano e quais suas idéias a respeito de sua iniciativa.
GBH : Quem é você e qual sua relação com a harmônica?
PF : Meu nome é Paul Farmer, e eu vivo em Camberra, capital da Austrália. Toco harmonica há 24 anos. Era difícil encontrar um professor de harmônica em Adelaide, a cidade onde cresci, então, da mesma forma que aconteceu com muitos músicos, meu aprendizado foi através da leitura de métodos e da audição de gravações. Felizmente, eu encontrei um incrível músico, Colin Kirby, que foi o campeão de cromática britânico 3 vezes em meados de 1950, e que também representava a Grã-Bretanha em competições internacionais. Quando ele se mudou para a Austrália em meados dos anos 50, ele tocou profissionalmente por muitos anos na TV, rádio, discos e clubes noturnos. Ele foi capaz de compartilhar tanto seu próprio conhecimento comigo quanto o conhecimento que ele adquirira estudando com Larry Adler e Tommy Reilly.
Tive a felicidade de participar de cinco convenções do SPAH nos EUA, assim como de encontros na Europa, Canadá e aqui na Austrália. Meu conhecimento de cromática foi bastante aprimorado através de aulas com Robert Bonfiglio e assistindo a um curso de uma semana com Tommy Reilly e Sigmund Groven.
GBH : Por que você decidiu escrever um livro sobre cromática?
PF : Ao contrário de outros instrumentos como o violino e a flauta, não há realmente uma "base de conhecimento" existente sobre como tocar cromática. Se você procurar um bom professor de flauta em São Paulo, ele será capaz de ensinar tão bem quanto qualquer professor de flauta em Londres, Nova York ou qualquer outro lugar do mundo, e ele estará te passando o conhecimento que foi descoberto, refinado e acumulado por diversas gerações de músicos. Em compensação, se você procurar um professor de cromática (se você achar um!), aquele professor, muitas vezes auto-didata, ou aprendeu de outra pessoa que também era auto-didata ou tem um conhecimento limitado a respeito da técnica de outros gaitistas do resto do mundo.
Muitos anos atrás eu vi um livro que consistia em entrevistas com flautistas virtuosos na qual eram discutidas as abordagens pessoais de como tocar o instrumento. Eu imaginei como seria bom se houvesse um recurso como este para os gaitistas de cromática do mundo todo que compartilhasse toda essa informação. Num primeiro momento, eu ia perguntar aos gaitistas apenas sobre a abordagem deles em relação ao uso dos Dó dobrados uma vez que isso era de fundamental interesse para mim. Mas à medida em que os gaitistas respondiam a esta questão, eles se voluntariavam a explicar outros aspectos de suas técnicas. Daí veio a idéia de acumular um pouco do conhecimento dos músicos de todo o mundo e disponibilizá-lo para a comunidade gaitística.
Desta forma, aprendizes de cromática teriam acesso ao conhecimento de vários músicos já no início de seus estudos.
GBH : E como vai o processo de pesquisa deste livro? Você tem uma estimativa de quando ele estará disponível?
PF : Leva muito tempo tentar localizar músicos pelo mundo e então fazer contato através de cartas, e-mail ou telefone. Quando eu converso por telefone, eu gravo as conversas e as trascrevo, o que leva muitas horas em frente ao computador! Eu espero poder incluir seções sobre construção de cromáticas e manutenção básica, diferentes modelos, diferentes afinações, exercícios, pequanos arquivos de som demonstrando técnicas que diferentes músicos discutem. Por causa do alto custo de impressão, estou planejando lançar o livro em CD, assim as pessoas poderiam acessá-lo pelo computador. Espero que em mais um ano o projeto esteja completo.
GBH : O que você acha do cromatismo na diatônica através de overblows e bends e por quê?
PF : Embora eu considere a cromática como meu instrumento principal, eu tenho uma grande afinidade com a diatônica. O som da diatônica tem um "sabor" único que o distingue da cromática, e ele pode ser mais apropriado para determinados gêneros musicais do que a cromática. Eu uso uma variação da afinação da "Melody Maker" que remove notas que você teria normalmente nos dois orifícios de cima e os substituo com notas extras na parte de baixo do instrumento. Isto me permite, entre outras coisas, tocar mais claramente sem depender de bends ou overblows. Mesmo assim, ainda é necessário algumas vezes usar overblows para tocar alguns trechos. Em alguns contextos musicais como Jazz, Blues e Country estas notas, se bem executadas e não utilizadas muito frequentemente, podem ficar bem em algumas partes. Entretanto, para os meus ouvidos, mesmo os mais habilidosos praticantes de overblow são limitados em sua habilidade de tocar estas notas frequentemente ao fazê-las de forma destacada, ao contrário das notas normais e dos bends, ao ponto de ficarem destacadas da música. Quanto mais overblows/draws são tocados numa peça, mais aparente é seu uso.
Para os meus ouvidos, os gaitistas de diatônica mais convincentes fora do blues são artistas como Pat Missin, Richard Hunter e Lee Oskar. Apesar de serem capazes de usar overblows, eles chegaram à conclusão que eles podem tocar o que consideram musicalmente mais "legítimo" utilizando diatônicas em afinações alteradas que melhor se adequem à peça que está sendo tocada.
O fato é que a execução legítima de algumas peças musicais exige uma consistência de tom que simplesmente não pode ser obtida na diatônica usando bends e overblows. Nestes casos, a cromática é claramente a escolha mais adequada.
GBH : E quais são as conclusões da sua pesquisa?
PF : Não há uma maneira única ou melhor de se tocar cromática, mas todos os alunos podem se beneficiar conhecendo todas as possibilidades do instrumento logo no início de seus estudos. Cada técnica ou abordagem tem suas limitações e quanto mais o músico conhece sobre as potencialidades de seu instrumento, maior o escopo que ele pode alcançar.
Muitos músicos habilidosos desconheciam a existência de técnicas que são fundamentais à abordagem de outros músicos. Por exemplo, um gaitistas de cromática extremamente habilidoso daqui da Austrália, falecido recentemente, era um expoente da música barroca, mas sempre esteve restrito em sua habilidade de articular certas passagens quando usava embocadura de tongue blocking. Do outro lado do mundo, Cham-Ber Huang desenvolveu um método muito simples de tongue-blocking mordendo a gaita com o lábio superior toda vez que um nota era tocada, ou no início de uma frase. Isso possibilitava uma separação muito distinta, porém suave, de cada nota da mesma forma que você iria ouvir se fosse outro instrumento de sopro.
Infelizmente essa informação nunca esteve disponível para muitos entusiastas até muito recentemente. Até então, mesmo os melhores gaitistas como Tommy Reilly tinham que tentar articular (separar) as notas usando apenas a garganta, uma prática que possui suas limitações. Você pode imaginar o quão mais avançados seriam os músicos de cromática se eles tivessem tido acesso a todo este conhecimento logo na primeira aula? Alguns músicos consideram "tongue switching" como uma técnica muito avançada, mas Robert Bonfiglio ensina isto aos seus alunos como uma técnica fundamental, na primeira aula, mostrando ao aluno que não se trata de nenhuma "mágica", mas apenas mais uma técnica a ser empregada.
Segue a entrevista original, em inglês. Meus sinceros agradecimentos ao Paul Farmer pela entrevista.
>1. who are you and what your relation with harmonica
My name is Paul Farmer, and I live in Canberra, the capital city of
Australia (the equivalent of Washington D.C. in the U.S.). I've been playing
the harmonica for about 24 years. It was hard to find a harmonica teacher in
the city of Adelaide where I grew up, so like many players my learning was
hindered by trying to teach myself from books and by listening to
recordings. Fortunately I came across a wonderful player, Colin Kirby, who
had been the British chromatic champion 3 times in the 1950's, and had also
represented Britain in European harmonica competitions. When he first moved
to Australia in the late 50's he played professionaly for many years on
television, radio, recordings, and night clubs. He was able to share both
his own knowledge with me along with the knowledge he'd gained from studying
with Larry Adler and Tommy Reilly.
I have been fortunate enough to attend 5 SPAH conventions in the U.S. as
well as attend harmonica gatherings in Europe, Canada, and here in
Australia. My knowledge of the chromatic has been greatly enhanced through
having lessons with Robert Bonfiglio, and attending a week-long masterclass
with Tommy Reilly and Sigmund Groven.
> 2. why did you decide to write a book about chromatic harmonica
Unlike other instruments such as the violin and the flute, there are not
really a 'body of knowledge' that exists regarding how to play the
chromatic. If you go to a good flute teacher in Sao Paulo, he or she will be
able to teach you everything that any other good flute teacher in London,
New York, or anywhere else in the world could teach you, and they will be
passing on the knowledge that has been discovered, refined, and accumulated
over many generations of players. In comparison, if you go to a chromatic
teacher (if you can find one!), that teacher will in most cases be
self-taught, or will have learned from another who was self taught, with
limited exposure to the approaches of other players from around the world.
Many years ago I saw a book that consisted of interviews with virtuoso
flautists in which they discussed their own personal approaches to playing
their instrument. I often thought how great it would be to have a resource
like this where the better chromatic players from around the world would
share information about their own personal approaches to playing the
chromatic. At first I was only going to ask players about their approach to
the use of the double C's since this was of fundamental interest to me. But
as players responded to this question they also volunteered information
about other aspects of their playing. From this came the thought that it
would be good to be able accumulate some of the knowledge from players
around the world and make this information available to other chromatic
enthusiasts everywhere. This way serious students of the chromatic can have
access to the knowledge of players from around the world right from the
beginning of their studies.
> 3. how the research to this book is going. do you have an estimation of
> when it will be available?
It is very time consuming trying to locate players from around the world and
then making contact with them by mail, e-mail, or phone. When I talk to
players over the phone I record our conversations and transcribe them, which
can take many hours in front of the computer! I hope to include sections on
chromatic construction and basic maintenance, different models, different
tunings, exercises, sound files demonstrating some of the techniques that
the different players discuss. Because of the high cost of printing I am
planning on releasing my project on CD so that people can access the
contents using their pc's. I hope that in a year or so my project will be
complete.
> 4. what do you think about chromatism on diatonic via overblows and bends
> and why?
Although I regard the chromatic as my main instrument I am also very keen
about the diatonic. The sound of the diatonic has a unique 'flavor' that
makes its sound distinct from that of the chromatic, and it can sound more
appropriate in some musical genres than the chromatic does. I use a
variation of the 'Melody Maker' tuning that removes the notes you normally
have in the top 2 holes and replaces them with extra notes at the bottom of
the instrument. This enables me, among other things, to play more runs
cleanly without relying so much on bent notes or overblows. Even so, it is
still necessary at times to use overblows to make some runs possible. In
some musical contexts such as jazz, blues, and country these notes, if
played well and not used too frequently, can fit in quite well in some
pieces. However to my ears even the most skilled overblow practitioners are
limited in their ability to play them frequently without having them stand
out distinctly from plain and bent notes to the point where they detract
from the music. The more overblows/draws that are played in one piece the
more it is apparent that they are being used.
To my ears the most musically convincing diatonic players outside of the
blues genre are artists such as Pat Missin, Richard Hunter, and Lee Oskar.
Although they are all able to play overblows they have found that they can
perform what they regard as the most musically 'legitimate' renditions of
pieces of music by using altered-tuned diatonics that suit the piece being
played.
The fact is that a legitimate rendition of some pieces of music requires a
consistancy of tone that simply can't be achieved on the diatonic using
bends and overblows. In these instances a chromatic is clearly the
instrument of choice.
> 5. what conclusions did you take from your research?
That there isn't a single correct, or 'best', way to play the chromatic, but
that *ALL* students of the chromatic can benefit greatly from being exposed
to *ALL* the possibilities of the instrument from the very beginning of
their studies. Every technique or approach has its limitations, and the more
a player knows about the possibilities of the instrument the greater the
scope of what they can achieve. Many highly skilled players have been
unaware of the existence of some techniques that are fundamental to the
approach of other players. For example, a highly skilled chromatic player
here in Australia who died recently was an excellent exponent of baroque
music but was always restricted in his ability to articulate certain
passages when using the tongue block embouchure. On the other side of the
world Cham-Ber Huang developed a very simple method of articulating when
tongue-blocking by biting down on to the harmonica with the top lip each
time a note is played, or at the beginning of a phrase. This gives the very
distinct but smooth separation to each note the same as you would hear on
any other wind instrument. Unfortunately this information hasn't been
available to many enthusiasts until recently so even the very best players,
including Tommy Reilly, have had to attempt to articulate (separate) notes
using their throat only, a practice that has its limitations. Can you
imagine how more advanced many chromatic players would be if they'd had
access to all the knowledge of the harmonica world right from their first lesson?
Some players regard 'tongue switching' as a very advanced
technique, but Robert Bonfiglio teaches it to his students as a fundamental
technique right from the very first lesson so that before long the student
will see it not as some kind of 'magic', but will simply regard it as one of
the ways you play the instrument.
Prezado autor do Blog sobre a GAITA
ResponderExcluirMeu nome é Sérgio de Vasconcellos-Corrêa, sou compositor (Membro Efetivo da Academia Brasileira de Música) e professor de composição das UNICAMP e UNESP (São Paulo).
Como acabei de escrever um Concerto para Gaita, estava à procura do nome de Gaiteiros que talvez pudessem se interessar pelo mesmo (Robert Bonfiglio e outros) e acabei encontrando este ótimo Blog. Continue a desenvolver esse trabalho, talvez ajude a difundir esse belo instrumento e a divulgar o já extenso repertório original para o mesmo.
Parabens e um cordial abraço.
Se souber de alguém interessado no meu Concerto, o meu E-M ail é
svascon@uol.com.br